Autor: Guilherme Silva Araujo
Resumo: O presente artigo tem como objetivo alertar para uma questão conflituosa gerada pelo legislador na elaboração do Código de Processo Civil de 2015, mais precisamente na possibilidade trazida no Art. 1.071, que alterou O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos) acrescentando o Art. 216-A. Tal dispositivo trouxe ao ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de requerer-se usucapião de maneira extrajudicial, quando preenchidos determinados requisitos próprios trazidos na mesma modificação, diversos daqueles já existentes para a via judicial. Um destes requisitos, previsto no inciso II do Art. 216-A, é o tema nuclear do presente escrito, qual seja a necessidade de que a planta e o memoria descritivo estejam assinados pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo. Tal redação passa a exigir que aquele que tenha uma área maior matriculada em seu nome, mas tenha de forma irregular cedido a posse de fração deste bem, tenha que anuir na planta e no memoria descritivo, reconhecendo que parcelou de maneira i o imóvel, burlando as exigências previstas na Lei 6.766/79 que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, se sujeitando assim a responsabilização civil e criminal ante o expresso reconhecimento da infração cometida. Desta forma, analisar-se-á o conflito entre a exigência trazida pela Usucapião Extrajudicial e a lei que trata do Parcelamento irregular do solo, o que se dará por meio de analogias jurisprudenciais e doutrinárias e interpretações da norma como está posta, até mesmo pela escassez de doutrina e jurisprudência sobre o tema ante a recente alteração legislativa.
Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Usucapião. Usucapião extrajudicial. Parcelamento irregular do solo. Direitos Reais. Anuência do titular.
1 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O PROCEDIMENTO DE UCUCAPIÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS.
Em 18 de março de 2016 entrou em vigor a lei 13.105/15 que instituiu o novo Código de Processo Civil, promovendo uma verdadeira revolução na sistemática de tramitação processual inerente ao direito civil em atenção aos anseios da sociedade brasileira, que há anos clama por maior celeridade e efetividade na prestação jurisdicional.
O mencionado diploma passou por longa e democrática tramitação antes de sua promulgação, tendo seu projeto iniciado por uma comissão de juristas nomeada por José Sarney na qualidade de presidente do Senado Federal no ano de 2009.
Tal comissão após realizar audiências públicas por todo o território nacional e ouvir os reclames das variadas instituições interessadas, apresentou o resultado dos trabalhos, sendo então em junho de 2010 apresentado o anteprojeto da lei.
Depois de constituído, o anteprojeto então sofreu diversas modificações por meio de emendas apresentadas tanto pela Câmara quanto pelo Sanado, cada casa representada por uma respectiva comissão de parlamentares designada para a empreitada.
Assim, agradando uns e desagradando outros, nasceu o Código que já veio ao mundo com a responsabilidade de solucionar problemas inerentes a tramitação processual que ao nosso ver necessitam não apenas de uma nova lei, mas de uma reestruturação material e humana do Poder Judiciário, além de uma modificação cultural no sentido de desmotivar o brasileiro a judicializar seus conflitos.
Nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que presidiu e coordenou a comissão de juristas responsáveis pela elaboração do projeto “o Novo CPC dá razão a quem tem, e num prazo razoável”.
Seguindo este fluxo de busca por celeridade e efetividade, surge como alternativa apta a desafogar os escaninhos dos juízes e escrivães, a desjudicialização de atos que dispensem a cognição de um magistrado por ostentarem características consensuais ou voluntárias.
Como exemplos já em prática antes do Novo Código de Processo Civil que consagram a desjudicialização, podemos citar a possibilidade de se pleitear extrajudicialmente o divórcio, o inventário e a retificação extrajudicial de bem imóvel Lei 10.931/04, e ainda a ação de consignação de pagamento extrajudicial (Art. 539 § 1º CPC/2015). São todos procedimentos que têm cabimento tanto pela via judicial quanto pela via extrajudicial, desde que preenchidos determinados requisitos previstos em legislação própria, em especial a consensualidade.
Neste sentido assevera a professora Laine Harzheim Macedo no Código de Processo Civil Anotado da OAB/RS (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO RIO GRANDE DO SUL, 2015, v. 1, p. 838)
Art. 1.071. Adentra no âmbito da Lei dos Registros Públicos, instituindo, pela introdução do art.216-A, o usucapião extrajudicial a ser processado perante o cartório de registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, e requerido pelo interessado, devidamente representado por advogado. Trata-se, a exemplo do que já ocorreu no passado, com a ação de retificação de registro imobiliário, de abrir um espaço extrajudicial para a aquisição e regulação da propriedade imobiliária, ainda que não haja prejuízo à opção judicial.
Necessário mencionar que o requerimento de usucapião formulado administrativamente que se torna uma realidade mediante o acréscimo do Art. 216-A na lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (lei de registros públicos) possui certas peculiaridades procedimentais em relação ao requerimento judicial, sendo exigido maior segurança quanto à veracidade das informações apresentadas no requerimento até mesmo porque não há procedimento de instrução com filtro de cognição judicial e direito à contestação, devendo estar devidamente documentado o preenchimento dos requisitos para o deferimento da pretensão.
Deste modo, é justamente de um dos requisitos inerentes ao Usucapião Extrajudicial que trata o presente artigo, não especificamente sobre o requisito mas sobre as consequências que podem ser geradas frente ao seu preenchimento, tal requisito é a exigência de que o proprietário do imóvel usucapiendo assine o levantamento topográfico do imóvel para atestar sua anuência acerca da posse exercida pelo requerente da usucapião, quando o imóvel for objeto de cessão de posse pretérita.
2 A ANUÊNCIA DO PROPRIETARIO DO IMOVEL USUCAPIENDO NA RESPECTIVA TOPOGRAFIA COMO REQUISITO ESSENCIAL AO RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL
O requisito mencionado no parágrafo anterior está previsto no inciso II do mencionado Art. 216-A da Lei de Registros Públicos, e fixa a necessidade de serem a planta e o memorial descritivo assinados pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo, conforme a integra do dispositivo legal:
“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconheci mento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
§ 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.
§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
§ 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.
§ 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.
§ 5º Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.
§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4 odeste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
§ 7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.
§ 8º Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
§ 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.
§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”
A questão nuclear ainda é mais restrita do que a própria redação do mencionado inciso, e trata exatamente da responsabilização que poderá recair sobre o titular do domínio do imóvel quando de sua anuência para o requerimento de usucapião, confessando que parcelou irregularmente o imóvel usucapiendo quando cedeu a posse ao requerente do procedimento estando assim sujeito às sansões da lei 6.766/79 que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano.
Para entender esta questão é necessário ressaltar a lição de Farias e Rosenvald (2007), de onde se retira que o usucapião é um modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa pelo tempo estipulado em lei, juntamente com o preenchimento dos demais requisitos legais, o que quer dizer em outras palavras em se tratando de bem imóvel, que alguém ocupa a coisa por determinado tempo como se dono fosse, com ou sem autorização daquele que tem o imóvel registrado em seu nome, e após transcorrido o prazo da prescrição aquisitiva o possuidor passa a ter direito de ser o proprietário caso requeira o usucapião, transferindo-se em caso de procedência do pedido, o registro do imóvel, passando a constar na matrícula o nome daquele que antes apenas detinha tão somente a posse.
Corroborando com esse pensar, Rodrigues (2009, p.108) assim conceitua a ação de usucapião:
Pela usucapião o legislador permite que uma determinada situação de fato, que, sem ser molestada, se prolongue por um certo intervalo de tempo previsto em lei, se transforme em uma situação jurídica, atribuindo-se assim juridicidade a situações fáticas que amadureceram com o tempo.
Como mencionado acima, essa posse pode ser exercida em diversas modalidades, como por exemplo com boa fé ou com má fé, de forma direta ou indireta, justa ou injusta, dentre outras conceituações, ocorre que para o debate proposto pelo presente artigo, a posse que aqui nos é útil é aquela exercida com justo título, ou quando ausente o justo título for ela justa e de boa-fé. É relevante para entendermos o problema existente que imaginemos a cessão onerosa ou gratuita da posse de uma fração de um imóvel matriculado, quando posteriormente requerido o usucapião administrativo desta fração e assinada a planta e o memorial descritivo pelo cedente/anuente na qualidade de titular do direito real da propriedade do bem.
Ao nosso olhar, estará o anuente confessando expressamente ao assinar a topografia que instrui o procedimento de usucapião que parcelou de maneira clandestina o imóvel registrado em seu nome, passando a estar sujeito às sansões cíveis e criminais pelo descumprimento das disposições da lei 6.766/79.
A dúvida central é se o legislador se atentou que um requisito procedimental da usucapião extrajudicial prevê expressamente a convalidação de uma conduta vedada expressamente pela legislação anterior?
O debate pode ser até mais amplo nos levando a questionar se há a impossibilidade de responsabilização pelo crime de parcelamento irregular do solo quando esse imóvel se torna objeto de procedimento de regularização mediante usucapião, uma vez que a própria lei prevê que aquele que parcelou deverá anuir no procedimento, confirmando que de fato fracionou o bem de maneira clandestina se escusando de operar o parcelamento com observância aos procedimentos legais.
Como a matéria ainda é novidade para o meio jurídico, apenas com a concretização do procedimento que ainda está sendo regulamentado pelos cartórios dos estados que se poderá ter uma noção de qual será o reflexo da assinatura do proprietário do imóvel na planta e no memorial descritivo assumindo que em determinado momento pretérito fracionou de maneira irregular aquele imóvel e comercializou ou doou uma parte.
A julgar pelo posicionamento atual do Ministério Público, em especial do estado de Santa Catarina no que diz respeito na responsabilização civil e criminal dos loteadores clandestinos, será um considerável objeto probatório para o ingresso de Ações Civis Públicas e Ações Penais que servem de mecanismos de punição e reparação dos danos ambientais.
Neste passo, aqueles que no passado comercializaram ou doaram mediante instrumento particular fração de área maior matriculada deverão pensar duas vezes quando solicitados a assinar a topografia do imóvel para que os cessionários após preenchidos os requisitos ingressem com o requerimento de usucapião extrajudicial.
Conforme mencionado, este conflito entre a norma que veda e criminaliza o parcelamento irregular do solo urbano e a novel legislação que autoriza o parcelador clandestino a anuir no procedimento de usucapião só será dirimida por ocasião das decisões que passarão a surgir sobre o assunto, sobretudo dependendo de como se portará o órgão ministerial, que poderá solicitar cópia dos procedimentos aos Cartórios de Registro de Imóveis e se valer das topografias assinadas para denunciar os anuentes e contra eles mover ações civis de reparação.
Desta forma, no intuito de demonstrar que a anuência daquele em que o imóvel esteja no nome matriculado ensejará pretensão punitiva do estado, nas seções a seguir do presente artigo se discorrerá sobre o crime de parcelamento do solo urbano, e posteriormente serão expostos julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e dos tribunais superiores que demonstram que aquele que fraciona imóvel mediante instrumento particular responde pelo crime de parcelamento irregular do solo urbano, apesar de entendermos que a pretensão de regularização por meio do possuidor cessionário exclui a responsabilidade do proprietário cedente, entendimento este que não é compartilhado pelo próprio teor da lei 6.766/79 bem como pelos tribunais. Ou seja, aquele que adquire a posse de fração de área maior matriculada regulariza seu imóvel se preenchidos os requisitos, já aquele que lhe vendeu, se cientificado o Ministério Público passa a correr o risco de ser processado.
Ao nosso ver, a previsão legal trazida pele Código de Processo Civil de 2015 que institui o Usucapião em cartório e condiciona o êxito do procedimento à anuência daquele em que o imóvel esteja matriculado é uma forma de demonstrar que não há responsabilização a se perseguir frente a regularização do objeto do parcelamento.
3 A CESSÃO POSSESSÓRIA DE FRAÇÃO DE IMÓVEL MATRICULADO CONSIDERADA CRIME DE PARCLAMENTO IRREGULAR DO SOLO À LUZ DA LEI 6.766/79.
Para que delimitemos como criminosa a conduta de comercializar lotes de área maior matricular sem o devido procedimento, faz-se necessário que sejam analisados em especial, os elementos normativos dos artigos 37 e 50 da lei 6.766/79.
O artigo 37 veda expressamente a venda ou a promessa de venda de parcela de loteamento ou desmembramento não registrado, o que nos remete a ideia de que havendo uma área matriculada, para que seja ela repartida em áreas menores, obrigatoriamente o proprietário deverá se ater aos procedimentos administrativos trazidos pela própria lei 6.766/79.
Ocorre, que costumeiramente os proprietários, quer seja por ausência de recursos financeiros, quer seja frente à demora que pode levar o procedimento, optam por simplesmente ceder a posse de lotes dentro desta área maior, valendo-se na maioria das vezes do desconhecimento do adquirente, que frente ao documento de cessão de posse firmado em cartório acredita estar de fato adquirindo a propriedade do bem, quando em verdade apenas lhe toma a posse, uma vez que o imóvel se mantem matriculado em nome do cedente.
O cessionário, que se torna possuidor não encontra outra maneira de se tornar proprietário daquele bem, senão mediante requerendo o direito ao usucapião, que ao ser deferido autorizará a abertura de outra matrícula contendo exatamente a área utilizada, retificando-se a área maior em relação a supressão de metragem que agora pertence à nova matrícula aberta.
Ocorre, que pela via judicial, nos processos onde o possuidor requer o usucapião, e junta como prova da posse o instrumento público ou particular de cessão de posse, o Ministério Público costumeiramente tem se valido do mencionado instrumento de cessão de posse para buscar a responsabilização do cedente por supostamente ter loteado o imóvel de maneira clandestina.
Esta responsabilização passa a ser perseguida mediante Ação Civil Pública ou mesmo Ação Penal, dependendo das peculiaridades do caso, se há possibilidade de regularização do loteamento e ainda analisado o prazo prescricional.
Segundo Silva, (1999, p. 86) “O delito se consuma com a prática de qualquer ato que dê início ou realize loteamento com autorização do órgão competente, mas em desacordo com as normas legais)”
Esta conclusão, se faz frente uma análise hermenêutica do inciso I do Artigo 50 da lei 6.766/79 que exige para dar início à loteamento tanto a autorização do órgão competente quanto a atenção às exigências das normas municipais, estaduais e federais acerca do tema, o que se percebe mediante sua redação:
Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.
I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municipíos;
II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;
III – fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.
Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único – O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido.
I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente.
II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.
II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4o e 5o, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Assim, nos termos do parágrafo único o crime se torna qualificado se praticado de acordo com as condutas expostas nos incisos I, e II, podendo a pena chegar a 5 (cinco) anos de reclusão e multa de 100 (cem) vezes o salário mínimo vigente no país.
Neste sentido, é necessário alertar, que para a caracterização do crime em questão vem entendendo a jurisprudência que não necessária a estruturação de um loteamento irregular propriamente dito, com divisões de lotes, ruas e demais elementos de um empreendimento imobiliário, sendo considerada delituosa a simples cessão de fração menor de área maior devidamente registrada.
É este o caminho que vem decidindo a Jurisprudência Catarinense, conforme se denota dos julgados abaixo:
APELAÇÃO CRIMINAL. PARCELAMENTO IRREGULAR DE SOLO PARA FINS URBANOS, QUALIFICADO PELA VENDA (LEI 6.766/1979, ART. 50, I, E PARÁGRAFO ÚNICO, I). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA. PRETENSA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA SOBEJAMENTE COMPROVADAS. VENDA DE LOTES DE TERRENO SEM ESCRITURAÇÃO. PROJETO DE LOTEAMENTO NÃO APROVADO PELA PREFEITURA MUNICIPAL. DOLO EVIDENCIADO. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO CARACTERIZADO. DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS SECUNDÁRIAS (ADQUIRENTES DAS UNIDADES) ALIADOS A OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE PERMITEM TER A CERTEZA NECESSÁRIA DE QUE O IMPUTADO DETINHA CONHECIMENTO ACERCA DA ILICITUDE DE SUA CONDUTA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO AFASTADO. INFRAÇÃO PENAL CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (BRASIL, 2016)
No mesmo sentido a jurisprudência do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO-CRIME. PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO URBANO. Comete o delito de parcelamento irregular do solo urbano quem dá início a loteamento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente. Condenação mantida. Pena pecuniária reduzida. Apelo provido. Unânime.(BRASIL, 2016)
Por outro turno, além da responsabilização de caráter criminal que pode recair sobre o proprietário que reconhecer na usucapião extrajudicial que cedeu a posse de maneira irregular ao requerente, nos termos do inciso II do Artigo Art. 216-A da lei de registros públicos, criado pelo CPC/2015, se faz importante discorrermos sobre a possibilidade de responsabilização civil perseguida por meio de Ação Civil Pública.
Diz-se isto porquanto nos mesmos casos em que vem atuando o Ministério Público para responsabilizar criminalmente os loteadores clandestinos estão sendo reconhecidas as responsabilidades civis, com a imposição de sansões pecuniárias e a exigência de reparação do dano ou regularização do loteamento:
Neste sentido, têm-se as seguintes decisões:
APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LOTEAMENTO CLANDESTINO. REGULARIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO IMPOSTA AOS LOTEADORES E AO MUNICÍPIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO VOLUNTÁRIO DOS LOTEADORES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL EVIDENCIADO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS CAUSADOS. RECURSO VOLUNTÁRIO DO MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM INARREDÁVEL. REGULARIZAÇÃO DE LOTEAMENTO CLANDESTINO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 40 DA LEI N. 6.766/79.
RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA. (BRASIL, 2014)
Inclusive vem se tornando frequente que a determinação de regularização do loteamento seja determinada em caráter liminar nas Ações Civis Públicas, nos termos da seguinte decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARCELAMENTO DE SOLO IRREGULAR. DECISÃO QUE DETERMINOU A REGULARIZAÇÃO DA ÁREA. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DOS RESPECTIVOS PROJETOS. PRESENTES OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. PRESERVAÇÃO DE INTERESSES COLETIVOS. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. PEDIDO DE DILAÇÃO DO PRAZO PARA O CUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(BRASIL,
Tais exposições jurisprudenciais servem apenas para delimitar de maneira superficial como se dá a responsabilização de quem fraciona imóvel de maneira irregular, entretanto o que de fato é relevante para o presente estudo, é a constatação de que ao exigir que o titular do direito real de propriedade assine a planta e o memorial descritivo do imóvel para o procedimento de usucapião administrativo o legislador determinou que seja expressamente reconhecida a autoria do delito de parcelamento irregular do solo urbano.
4 CONCLUSÃO
O presente trabalho acadêmico não tem pretensão de encerrar o debate acerca da possibilidade de responsabilização do proprietário quando de sua assinatura na planta e memoria descritivo do usucapião extrajudicial, até mesmo pelo fato de tal questão ser uma recente inovação e ainda não ser possível uma previsão de como se comportará a jurisprudência e a doutrina.
Todavia, ao que nos parece frente a uma análise realizada em atenção ao dispositivo que institui o usucapião extrajudicial conjuntamente com a lei 6.766/79 é que existem duas possibilidades de caminho a ser tomado pela jurisprudência.
O primeiro é que os tribunais instados pelo Ministério Público se valham do levantamento topográfico assinado pelo titular da propriedade para reconhecer a autoria do delito de parcelamento de solo urbano uma vez reconhecido que o imóvel usucapiendo corresponde a fração possessória de área maior matriculada o que demonstra a clandestinidade do parcelamento.
Ou, sem sentido contrário, poderão os tribunais reconhecer que a regularização do imóvel fracionado de maneira irregular mediante a cessão possessória com a anuência do cedente excluam deste a responsabilidade civil e criminal pela conduta de parcelar.
É nesta última possibilidade que nos apeguemos uma vez que não há coerência hermenêutica em exigir o CPC/2015 a anuência do titular de direitos reais do imóvel usucapiendo, quando esta anuência, se partir daquele que tem o imóvel matriculado em seu nome poderá acarretar responsabilização civil e criminal pelo parcelamento irregular do solo urbano.
Neste sentido, nos filiamos a um pensamento de não criminalização quando se for promovida a regularização da situação, até mesmo porque deve ser diferenciada a conduta de quem loteia um imóvel de maneira clandestina e com o objetivo de lesar a administração pública com o objetivo de lucro, daquela em que o fracionamento se dá sem a ciência acerca da ilicitude da conduta, mas tão somente por desconhecimento da legislação, revestida de boa fé.
Assim, demonstrado que a cessão de posse foi realizada sem o dolo direto de criar de fato um loteamento clandestino, entende-se que a anuência no levantamento topográfico do proprietário/cedente não deve acarretar em responsabilização de qualquer espécie, em especial porquanto a cessão de posse passa após o usucapião a revestir-se de legalidade com a abertura do novo registro.
TITLE OF THE PAPER:
The confession of soil irregular installment of urban crime when owners consent in plant and memorial description for adverse possession purposes tort.
Abstract: This article aims to draw attention to a conflicting issue generated by the legislature in drafting the Code of Civil Procedure 2015, specifically the possibility brought in Art. 1071, which amended Chapter III of Title V of Law 6015 of 31 December 1973 (Public Records Act) adding Art. 216-a.This device brought to the Brazilian legal system the possibility to be required prescription extrajudicial way, when completed certain requirements themselves brought the same change, other than those already existing for the court. One of these requirements provided for in item II of Art. 216-A is the core theme of this writing, which is the need for the plant and the descriptive memory are signed by the actual rights holders and other registered rights or endorsed on the property registration usucapiendo. Such wording now requires that one that has a larger registered area in your name but have irregularly given the fraction of ownership of this right, have to acquiesce in plant and descriptive memory, recognizing that parceled erratically the property, outwitting the requirements of Law 6,766 / 79 which deals with the Urban Land Installment thus subject to civil and criminal liability against the express recognition of the offense committed. In this way, we will be analyzing the conflict between the demands brought by Extrajudicial Adverse possession and the law which deals with the irregular ground Installment, which will be through the jurisprudential and doctrinal analogies and interpretations of the standard as it is called, even by lack of doctrine and jurisprudence on the subject at the recent legislative amendment.
Keywords: New Code of Civil Procedure . Adverse possession . extrajudicial prescription. irregular land subdivisions . Real rights. Consent of the holder.
REFERÊNCIAS
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